‘Vai feder’, ‘juízes vão dançar’; leia diálogos que levam PF à pista de vazamentos no STJ

https://penoticias-br.diariopernambuco.com/resizer/v2/F6TXEZV5TREBNCXBTO5LKPJEI4.jpeg?quality=80&auth=5e9f4cdb803503987ff999426768a37c881aa197233cc9c879aadfd07127fda1&width=347&height=195&smart=true

Estadão

Conversas entre o prefeito de Palmas, Eduardo Siqueira Campos (Podemos), e o advogado Thiago Marcos Barbosa de Carvalho, sobrinho do governador do Tocantins Wanderlei Barbosa (Republicanos), reforçam suspeitas da Polícia Federal sobre venda de sentenças e vazamento de dados de ações sob sigilo no Tribunal de Justiça do Estado e no Superior Tribunal de Justiça. Os diálogos foram recuperados pela PF na Operação Sisamnes – juiz corrupto, segundo a mitologia persa.

Leia toda a decisão que autorizou a operação.

Os diálogos indicam o privilegiado a informações sigilosas de inquéritos em curso no STJ. A PF apura a origem dos vazamentos. Servidores do Superior Tribunal de Justiça são investigados.

Há dez dias, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou o capítulo 9 da Sisamnes. O prefeito de Palmas foi alvo de buscas em sua residência e em seu gabinete. Ele nega envolvimento com vazamentos e afirma que não tem fontes privilegiadas em tribunais ou em qualquer outra instância do Judiciário.

Thiago está preso preventivamente desde abril. A defesa também nega que ele tenha tido o irregular a investigações sigilosas e afirma que não vê razão para a prisão.

As conversas entre o advogado e o prefeito estão transcritas na representação da Polícia Federal a Zanin.

Em um diálogo, Siqueira Campos antecipa que a Operação Maximus, que investiga suspeitas de corrupção no Tribunal de Justiça do Tocantins, seria deflagrada em agosto de 2024 – o que efetivamente ocorreu – e cita nominalmente alvos da investigação.

Outra operação da PF, a Fames-19, liga o governador do Tocantins a suposta fraude e desvios na compra de cestas básicas durante a pandemia. Wanderlei Barbosa nega envolvimento.

Personagens citados nas duas operações, a Maximus e a Fames-19, estão sob suspeita de terem tido o a dados sigilosos.

‘Agosto começa a ruir no Estado’

“Vai feder. Eu acho que tem desembargador que vai perder o cargo”, afirma Siqueira Campos. “Há quem diga que agosto começa a ruir no Estado”.

O prefeito de Palmas diz que o governador do Tocantins está “extremamente iludido, equivocado e desinformado” e não teria conhecimento da investigação que, segundo ele, envolveria juízes, desembargadores, escritórios de advocacia e até “gente que está lotada em gabinete em Brasília”.

Siqueira Campos então contextualiza os motivos que levaram a Polícia Federal a iniciar a investigação. Segundo ele, o ponto de partida do inquérito teria sido a suposta venda de uma decisão por intermédio do advogado Rafael Sulino de Castro, ex-assessor da desembargadora Angela Issa Haonat.

“Isso começa com a venda de uma sentença para um cara se apresentar e não ser preso. E aí o cara paga, só que paga só metade. E aí eles começam a apertar o cara, o cara dá mais, mas acaba que o cara não tem mais dinheiro pra dar”, conta Siqueira Campos.

“Era pra ele não ser preso, e o cara foi preso, porque eles executaram o contrato e botaram o próprio juiz pra dar a preventiva dele que depois se transformou em condenação. Esse cara não tem mais o que perder. Só que aí os fatos foram se sobrepondo, com a entrada dessa pessoa que você citou, ela andou atuando em alguns feitos. Quem era o chefe de gabinete dela? O próprio Sulino”.

O sobrinho do governador afirma que “o grande operador” do esquema seria na verdade o advogado Thiago Sulino de Castro, irmão de Rafael, que chegou a ser preso em agosto de 2024 na Operação Maximus, mas depois conseguiu habeas corpus para aguardar em liberdade a conclusão da investigação.

‘O grande operador’

“O Thiago é o grande operador e o Rafael, na realidade, ele foi ser o assessor jurídico, o cara que escreve os votos pra ela”, afirma Thiago Barbosa. “Agora quem eu acho mais sério aí nessa situação é a Haonat”.

O prefeito concorda. “Também, por causa dos Sulinos, por causa dos Sulinos. E também por ela ter sido nomeada pelo Wanderlei mediante aquela situação que construíram, de que assumiria se assumisse os compromissos, que ele cumpriu todos”.

Siqueira Campos alerta: “Isso vai virar outro elefante branco”.

A desembargadora Angela Issa Haonat não foi implicada pela Polícia Federal no relatório final da Operação Maximus. A PF afirma que o inquérito “não evidenciou práticas delituosas que em tese pesavam” sobre a magistrada.

Na sequência de diálogos recuperados pela PF, o prefeito de Palmas antecipa que o ministro João Otávio Noronha, do STJ, seria o relator do inquérito.

“Para os desembargadores eu já até sei quem é o relator, eu já até sei um outro cara duro, por sinal. O relator é Noronha, Brasília”.

No diálogo, ele menciona um encontro com o ministro João Otávio de Noronha “há 15 ou 18 anos”, em Brasília. Siqueira Campos diz que recebeu um alerta do ministro.

“Falou para mim: ‘Siqueira, só para avisar ao teu pai que vão ser afastados quatro desembargadores’“, relatou. (Ex-governador do Tocantins, José Wilson Siqueira Campos, pai do prefeito, morreu em 2023).

O prefeito também dá detalhes sobre a Operação Fames-19, que investiga suspeitas de desvios na compra de cestas básicas na pandemia e que levou o ministro Mauro Campbell, corregedor nacional da Justiça, a autorizar a Polícia Federal a fazer buscas na residência e no gabinete do governador do Tocantins.

“No que a Polícia Federal começa a fazer uma investigação, eles acabam descobrindo que o Sulino ficou responsável pela área da saúde, de umas UTIs que o governador acabou deixando ele negociar, sabe? Então isso hoje envolvendo o próprio governador”, explica o prefeito.

Siqueira Campos antecipa a Thiago que ele estava entre os investigados.

“O seu caso lá em Brasília ele está um pouco pior do que a gente pensa, porque o que acontece, a Procuradoria falou no seu processo e você não está mais como apenas uma parte, você figura como um polo de investigação, você está sendo investigado dentro daquele esquema, e isso já saiu oficialmente”.

Siqueira Campos o aconselha a contratar o advogado Michelangelo Cervi Corsetti, também investigado.

“O amigo nosso em Brasília, ele tem o ao Felipe”, afirma o prefeito. “Então ele tá entrosado com esse Felipe, nesse intuito.” Felipe, segundo suspeitam os investigadores, seria assessor no Superior Tribunal de Justiça.

‘Vão dançar dois juízes’

O prefeito acrescenta: “O cara que tem condição de amanhã fazer um despacho e avançar na tua tese, que o cara que faz o voto, amanhã ele tá sabendo (sic). O governador, Thiago, ele não tá nem aí pra isso, você sabe por quê? O problema dele é outro, ele tá lá em Portugal, pagando mico, você tá vendo o que a imprensa nacional tá fazendo?”.

Siqueira Campos sugere, em outro trecho da conversa. “Agora, olha só uma coisa, dia 3 já estará em recesso, recesso das Cortes Superiores. O despacho que o Michelangelo deveria fazer entre…amanhã, depois e depois, seria dele ir nesse Felipe e dizer a ele, já mostrar a ele que.. ele tem elementos o suficiente pra mostrar que trata-se de um homônimo, que você não tem relação com os autos, que você está ali por um mero equívoco e também má-fé da própria polícia, e ele dar essa informação. Esse cara é o cara que vai escrever as coisas para a própria menina que deu esse parecer para o gabinete. Então, ele (Michelangelo) tá entrosado com esse Felipe, nesse intuito. Eu não quero mais falar com o…o coisa, porque o doutor Jair já tá lá atrás é de outras coisas grandes, de desembargador, de juiz, vai feder, eu acho que tem desembargador que vai perder o cargo”.

“Aqui é o seguinte, aqui vão dançar dois juízes, pelo menos três advogados (…)”.

‘Espera teu tio não’

Outros trechos são destacados pela PF. Neles, o prefeito de Palmas fala novamente do advogado de Brasília. “Então irmãozinho, urge, espera teu tio não, cara, liga você e fala você para o doutor Michelangelo. ‘Mich, vamos começar a agir, marca teu despacho lá que eu tô me ajeitando por aqui’. Não se importa com a parte financeira não, Thiago, que ali não é…se ele fosse um sanguessuga, se ele fosse um escroto, ele nunca ia cobrar 300 mil de qualquer caso relativo a esse, nunca. Isso não é preço, isso não é preço. Fez por consideração. Eu só tô mal nessa história porque o cara pediu os os, ele tava certo, ele ganhou os os, ele tá com a informação e você é o paciente e tá pensando em esperar o seu tio. Você tá errado, eu vou falar pra você com a liberdade que eu tenho com você, você tá errado. Você tinha que ligar pra ele, não adianta você pedir papel pra ele, Thiago. O que adianta é você botar seus olhos, é você analisar, você é advogado e vocês traçariam uma linha”.

Em outro momento do diálogo, Siqueira Campos diz que “Helvécio (desembargador do Tribunal de Justiça do Tocantins) tá correndo um risco sério”. E insiste na orientação a Thiago para recorrer a Michelangelo.

“Bom , faz a ‘mensagenzinha’ pra o Mich, fala pra ele: ‘Mich, meu pai chega hoje à noite, amanhã eu falo contigo’. E esquece dinheiro, tem é trato. Muitas vezes eu fiquei 8 meses sem pagar o Mich…’Mich me aguenta’. e era coisa grande, não era bobagem. então o que eu acho ruim só é você ficar de bobagem, ficar sem falar com o cara. O cara que tem condição de amanhã fazer um despacho e avançar na tua tese, que o cara que faz o voto, amanhã ele tá sabendo. Ele fala. ‘Doutor, o senhor me aguardar que eu vou fazer aqui uma petição, pedindo a exclusão do meu cliente, meu cliente tá aí de graça, tá aí à toa, tá aí pelo sobrenome”.

“Então, começa a construir a tua defesa, tá?”

Em sua decisão que autorizou a Operação Sisamnes, capítulo 9, o ministro Cristiano Zanin alertou sobre o o prévio a informações sob sigilo.

“Como é possível perceber, ao menos em 26 de junho de 2024, Eduardo de Siqueira Campos tinha conhecimento de detalhes do trâmite da investigação relacionada à Operação Maximus e a reou a Thiago”.

O ministro enfatiza os pontos que põem o prefeito de Palmas e o sobrinho do governador do Tocantins no centro da investigação sobre vazamento de dados sigilosos no STJ.

“Há três elementos bastante significativos, indicativos da antecipação indevida de informações envolvendo a atuação de Siqueira Campos. 1) informa a condição de investigado de Thiago; 2) indica saber o momento em que será deflagrada a operação (agosto de 2024); 3) sugere, de forma concreta, os alvos da operação, o que, de fato, ocorreu”.

‘Pra eu sair de casa’

“Mais que isso”, segue Zanin, agora se referindo à Operação Fames-19, que tem no governador Wanderlei Barbosa o principal alvo. “Prosseguindo ao exame do aparelho celular de Thiago, a autoridade policial verificou trecho de conversa entre Thiago e o contato ‘André Genro do Arimateia 2’, correspondente a aparelho celular de propriedade da Secretaria do Trabalho e de Desenvolvimento Social. Nessas mensagens, Thiago relata que teria trazido alguém de Brasília e mostrado os inquéritos para ‘Manim’, a fim de avisar o governador Wanderlei.” Esse diálogo ocorreu no dia da deflagração da Operação Fames-19, em 21 de agosto de 2024.

Thiago: ‘Me ligaram 6hs da manhã’.

André: ‘Povo aqui na secretaria só fala disso’.

Thiago: ‘Pra eu sair de casa. É por causa que eu sou investigado e achavam que poderia ser levado também para prestar esclarecimentos’.

Thiago: ‘Mostrei o inquérito para ‘Manim’. Tem 15 dias. Eu tive o ao inquérito inteiro. Trouxe um cara de BSB e mostrei para o ‘Manim’. Ele fez foi rir. Dizendo que não daria nada. O cara era do STJ’.

Ainda Thiago: ‘O des. Helvécio é investigado em outro processo, arrumei esse adv. pra ele, aí trouxemos ele aqui. Aí aproveitei para mostrar o inquérito para o ‘Manim”.

Organização criminosa

Para o ministro Zanin que os diálogos são “elementos bastante significativos, indicativos da antecipação indevida de informações sigilosas”.

“Todos esses trechos mencionados denotam que os investigados tiveram o a informações sigilosas. Há, ainda, elementos robustos a indicar que essas informações foram readas às terceiras pessoas, com propósito de frustrar medidas cautelares adotadas no curso de investigação complexa, referente a possível organização criminosa, tanto que o próprio Thiago saiu de casa no dia da deflagração da operação”, apontou o ministro.

A PF pediu a prisão do prefeito de Palmas e seu afastamento do cargo, mas Zanin não consentiu. Ele autorizou os agentes a fazerem buscas “nos endereços residenciais e funcionais do investigado, uma vez que, ao que se verifica dos diálogos, a atuação (de Siqueira Campos) pode ter ocorrido durante exercício de expediente, com possibilidade de coleta de elementos úteis à investigação nestas localidades”.

Com a palavra, o prefeito Eduardo Siqueira Campos

A Operação Sisamnes investiga o vazamento de informações sigilosas de demais Operações Judiciais, que envolvem terceiros.

Eduardo Siqueira Campos esclarece que não é alvo das investigações que tiveram informações vazadas e que não mantém fontes privilegiadas em tribunais ou em qualquer outra instância do Poder Judiciário.

Os diálogos divulgados pela imprensa são parte de conversas informais com Thiago Marcos Barbosa, que o procurou buscando orientações e a indicação de um advogado para constituir defesa no processo em que responde.

O prefeito Eduardo Siqueira Campos afirma que ter indicado um advogado para Thiago, por si só, não configura qualquer tipo de vazamento de informação privilegiada e nem representa conduta contrária à legislação vigente. Além disso, esclarece ter conversado sobre informações (que supostamente haviam sido vazadas), e que este fato não pode imputar à Eduardo a autoria ou responsabilidade pelo vazamento das mesmas. Depois de vazadas, certas informações ganham o mundo e viram alvo de comentários de todo o meio político.

O Prefeito de Palmas coloca-se à disposição para quaisquer demais esclarecimentos e aguarda que os verdadeiros responsáveis por vazamento de informações sigilosas e tentativas de obstrução de justiça, caso tenham ocorrido, sejam responsavelmente investigados, descobertos e revelados.

Com a palavra, o advogado Luiz Francisco de Oliveira, que defende Thiago Marcos de Barbosa Carvalho

A defesa não se conforma com o fato de Thiago Marcos de Barbosa Carvalho estar preso desde 9 de abril, embora seja primário, com bons antecedentes. Ele não tem personalidade voltada para o crime. Medidas cautelares diversas da prisão, tais como monitoramento eletrônico, são suficientes. A defesa protocolou pedido de revogação da prisão preventiva. Mesmo havendo provas de que dados foram reados a ele por um advogado de Brasília o único preso até hoje é só ele.

A irresignação da defesa é que existem tantas pessoas com envolvimento maior nas investigações e nada aconteceu com elas. Thiago foi indicado para conversar com o advogado de Brasília. O prefeito é que ou para ele todos os dados da Operação Maximus. No entanto só o Thiago está preso. Pior, quase 60 dias se aram sem que o pedido de revogação da prisão tenha sido apreciado.